Sim, eu não uso manequim
38. Não, eu não tenho vergonha de escrever isso. Na verdade, estou até que bem
feliz porque saí do 46 e estou no 42 e não fiz nenhum sacrifício para isso.
Mas, não, não me iludo com tão pouco. Foram milhares de idas e vindas e o que
você está prestes a ler abaixo vai confirmar que mesmo se um dia eu chegar ao
38, isso não mudará nada na forma como as pessoas me enxergam, nem é meu
objetivo. A questão é de mim para mim. E mesmo sendo difícil, estou aprendendo
a me amar inteira sem cortar alguns pedaços.
Sempre fui gorda, 24 anos
(estou resumindo assim para não ficar chato o texto). Na verdade, a melhor
definição é ioiô, nas férias da escola/faculdade/trabalho: perto de magra
(manequim 40), uns meses de realidade: manequim 46 apertado. Não precisa ser
médico para saber que isso não é saudável e que já passei mega mal inúmeras
vezes. E por que tudo isso? Bem, também não é necessário explicar como é a
ditadura da beleza tão cruel sob a qual as mulheres são submetidas. Já me
cansei de ouvir caras pançudos dizendo em alto e bom som que não curtem gordinhas.
Não acho que homens não sofram com o que eu sofri, mas acho que o tratamento é
mais suave. Sempre fui uma parte de um corpo: Nossa, que rosto lindo. (Claro,
meu bem, é lindo, mas sem esse corpo roliço funcionando viver não seria fácil,
então pegue a sua falsa gentileza e enfie no rabo – sim, além de gorda sou
muito boca suja).
E o foda é que isso entra
a cabeça da gente, lembro-me de ser criança ainda e não gostar de provar
roupas. Na adolescência, intensificou, claro. Ser adolescente é se odiar muito
e, para não fugir a regra, nessa fase eu acabei comigo. Fiz de tudo: laxante,
chá, remédio, vômito, exercícios, dieta da fruta, dieta disso, daquilo. Depois
dos 18, achei que havia ficado mais segura, aprendido a me gostar e ponto. Mas
estava errada. Não ter problemas para encontrar rapazes, não significava que no
espelho as coisas estavam boas. Nunca estavam. Tentei me amar como algo para o
futuro: se eu chegar ao manequim tal, já está bom. Isso não é amor, na boa, é
desculpa.
Daí, resolvi que nunca
mais faria dieta nenhuma. Comi muito, sério. Comi tudo o que queria. Depois de
dez anos sem saber o que era refrigerante eu bebi coca, guaraná, pepsi, soda,
só faltou fanta uva, já nem era mais tão gostoso, doce demais! E continuava sem
me amar. Conclusão: não era a comida o problema, era minha cabeça. Comer ou não,
tanto fazia no fim das contas.
(reparem, na cama, o pacote de salgadinho de cebola Lucky que foi o meu café da manhã neste dia)
Com o lance da abstinência do refri aprendi muito, gente. No primeiro ano eu era uma criança, chorava de vontade, cheirava o copo da minha mãe, credo, nem gosto de lembrar. No terceiro, já não ligava mais e até servia as pessoas aqui em casa. Em síntese, duas grandes coisas eu aprendi quando provei refri de novo: 1 – todo vício é curável; 2 – às vezes, para ser livre, é preciso se privar primeiro. Se hoje não acho saboroso beber coca (que era a razão do meu existir até os 13 anos), é porque estou livre dela. E descobri aí o segredo para me amar.
Para me amar precisava ser livre: da compulsão por comida, do ioiô anual e, principalmente, do manequim 38 ideal. Ser livre para mim é não ter vícios, não depender de nada. E isso não inclui só comida, é pra tudo. Culpar a falta de cia para entrar no yoga, por exemplo, foi uma grande desculpa que usei. Então, parei.
Parei de achar que preciso
vestir 38 para me amar. Hoje, para ser livre, tenho me privado de dormir até
mais tarde para fazer atividade física, tenho me privado de comer doce sem
limites porque sou geneticamente propensa a ter diabetes, parei de seguir o
instagram daquelas musas nacionais “perfeitas” que só comem 3 alimentos
diferentes. Para ser livre tenho me privado de muita coisa e de muitas pessoas
(é, pois é) nos últimos dias. E sei que serei livre, porque o primeiro passo foi
a decisão de o ser, sem vícios, sem neuras, sem padrão. Se, um dia, eu vestir
manequim 38, tanto faz, mas esse não é mais meu objetivo. O que quero é ser
livre das minhas próprias amarras e, principalmente, do que você ou o mundo
espera de mim.
Meu nome é Patrícia, visto
42, parei de me pesar faz dois meses, mas posso chutar que estou ficando a cada
dia mais bonita, porque o espelho tem refletido alguém que nem eu imaginava que
era capaz de ser: alguém livre!